segunda-feira, 3 de março de 2008

ENTREVISTA COM FRANCISCO LOUÇÃ DO BE

P - Disse um dia que as pessoas não se devem eternizar na liderança. Esta frase aplicada a si e ao Bloco de Esquerda [BE] o que significa? Que está a cumprir o seu último mandato?

R - Bom, eu fui eleito há menos de um ano. Portanto, cumprirei este mandato. É muito cedo para tomar qualquer decisão sobre o que será um próximo mandato.


P - Vai fazer dez anos à frente do Bloco de Esquerda. Vai estar à frente do partido nas eleições de 2009?

R - Eu serei candidato em 2009. É mais ou menos o líder desde que o partido nasceu...Tenho tido um papel e tenho muito gosto nisso. Quero deixar claro que gosto muito da luta política parlamentar, e popular, gosto muito de fazer campanha junto das pessoas, de procurar encontrar raízes de radicalidade e de transformação política. Acho que o socialismo é isso mesmo, e é isso que o BE é, como esquerda socialista; e tenho a sensação de que o meu compromisso deriva de uma enorme dívida que eu tenho para com a luta contra as desigualdades. É claro que não terei sempre as mesmas responsabilidades dentro do BE e portanto, um dia, haverá uma modificação. Mas, enfim, essa decisão tomá-la-ei quando achar que a devo tomar e será sempre uma decisão do BE no seu conjunto. E terá a ver com os resultados que o BE conseguir nas eleições de 2009?Os resultados, quer sejam vitórias quer derrotas, são sempre muito importantes para se aprender politicamente. E eu assumo responsabilidades pelos resultados que tenho partilhado. A evolução política e o meu papel estão sempre presos aos resultados e ao que fazemos, com certeza que sim. Agora esses resultados vão ser a prova de que é preciso uma esquerda de alternativa e de confiança em Portugal.

P - O líder do PCP já disse várias vezes que o BE é um partido sem identidade, sem ideologia. Qual é a identidade e a ideologia do BE?


R - Compreendo que quem está noutros partidos que não o BE se sinta muito incomodado. Esta espécie de monopólio de dois partidos de um lado e dois partidos do outro foi destroçado pela existência do BE. Mas foi destroçado porque o BE conseguiu representar a vontade de centenas de milhares de homens e mulheres, porque tem identidade. As pessoas sabem bem que o BE é uma força da esquerda, é uma força socialista e é uma força que contraria as políticas liberais e, portanto, que é uma alternativa. Nós queremos constituir o BE como uma força de protesto, de resistência e de acção, mas uma força que é capaz de projectar uma nova política para os movimentos populares, que têm estado partidarizados.Se o BE estivesse no Governo, poderíamos ver Francisco Louçã a dizer uma coisa, Ana Drago a dizer outra, Miguel Portas a defender outra...No BE somos livres de formular a nossa opinião. E desgraçado do partido que no século XXI entenda que a formação de um partido ou a sua consistência é dada por uma espécie de disciplina unicitária. A liberdade de opinião é o que permite formular uma opinião consistente, actuante e incisiva. A nossa liberdade e o nosso pluralismo dão-nos mais força. Os partidos que são totalmente hegemonizados por uma ideia que exclui qualquer dissidência, qualquer crítica, qualquer liberdade de opinião, são partidos fracos e estão condenados a enfraquecer cada vez mais.


P - Em termos de geografia política, onde está o BE? A meio caminho entre o PS e o PCP? À esquerda do PCP?


R - Com certeza que estamos à esquerda do Partido Comunista! E já nem comparo com o Partido Socialista, porque, repare, o PCP é um partido que nas suas grandes visões doutrinárias pode aceitar uma exploração capitalista desenfreada na China pelo pretexto de que há um partido único, que é o Partido Comunista Chinês. Nós somos intransigentes na luta contra a exploração e não podemos aceitar que haja uma sociedade socialista em que há proibição do direito de greve. Ou proibição da liberdade de imprensa. Ou proibição da liberdade de manifestação pública.


P - Porque é que o BE não tem uma posição mais forte no mundo sindical e essa posição é detida, como sabe, pelo PCP?


R - O PCP tem uma grande história que nós respeitamos por inteiro. Com se sabe, o meu avô foi um dos fundadores do PCP, em 1921. Nós entendemos que é preciso constituir uma esquerda transformadora e emancipatória, que por isso tem de aprender todas as lições do colapso da União Soviética e colocar-se à esquerda porque pretende destruir todas as visões que fechavam a sociedade e que rejeitavam a força que a luta emancipatória popular tem de ter. Isso leva-nos à intervenção popular. Nós rejeitamos a ideia de um movimento popular tutelado por um partido, em que haja um partido que domina um sindicato, ou que domina um movimento de mulheres. Essa é a realidade portuguesa...Essa é a história da esquerda portuguesa. E nós entendemos que, para um movimento popular ser forte, tem de ser um movimento aberto, associativo, livre.

P- Não têm conseguido passar isso ao terreno...

R - Acho que está enganado. Temo-lo conseguido em grande medida. O BE é hoje maioritário em algumas das maiores empresas do País, onde estão os trabalhadores mais qualificados, como a Autoeuropa...Não está a dizer que os trabalhadores de elite são do BE e os trabalhadores menos qualificados são do PCP? Estou a dizer que no movimento sindical o BE já representa raízes fortíssimas de alguns milhares de sindicalizados. Nós não ignoramos que um em cada três trabalhadores em Portugal tem um contrato precário ou um contrato a prazo. Que há 800 mil pessoas que passam recibos verdes. Nós procuramos encontrar um espaço a que os sindicatos têm estado demasiado pouco atentos. Ele só existirá se não for um movimento sindical ou social que depende das ordens de um partido, mas que vale por si próprio.


P - Como este [movimento sindical] depende?


R - Bom, a CGTP tem uma maioria do partido comunista, mas, como se viu, tem vozes muito significativas que têm vindo a defender um alargamento, uma ampliação e um carácter unitário que preserve o seu espaço social. Estamos derrotados se vivermos no passado. Porque o passado foi o colapso do sistema, do partido-guia, da União Soviética, do fechamento dos sistemas políticos. A esquerda portuguesa tem de fazer explodir todos esses dogmas e todos esses preconceitos porque tem de representar aquelas pessoas que trabalham para uma empresa de trabalho temporário e percebem que a exploração não é só não receberem aquilo que fizeram, mas deixarem uma parte do salário à empresa de trabalho temporário.

P- A reeleição de Carvalho da Silva é um bom ou um mau sinal?


R - Creio que é um bom sinal que a CGTP não aceitasse fechar-se partidária e politicamente e mantenha uma preocupação com um espaço de diversidade, enfim, que a torna muito representativa desse ponto de vista.

P - E, na Câmara Municipal de Lisboa, José Sá Fernandes como vereador é um balão de ensaio para futuras coligações ou aproximações em relação ao PS?

R - A pergunta é concreta e a resposta é concreta: não! Não será. Nós não faremos coligações com o PS nas autárquicas em 2009. Por uma razão muito evidente, é porque os nossos projectos políticos, nas legislativas, nas autárquicas, enfim, na condução da política do País, estão em confronto. Em Lisboa, em 2007, houve uma situação absolutamente excepcional e irrepetível que era de desagregação da política da câmara, em que era preciso salvar a câmara municipal com medidas de emergência imediatas. E por isso José Sá Fernandes fez um acordo sobre seis pontos concretos. Desses, já foi aprovado o Plano Verde, aliás, por unanimidade. Agora, faltam muitas outras medidas, a integração dos trabalhadores precários, que será um exemplo para todas as câmaras e que está em curso, o combate à corrupção de uma forma informada sobre todos os dossiers do passado e do presente...

P - Mas se resultar essa coligação em Lisboa porque é que diz categoricamente não a uma coligação futura no Governo?

R - Não, se resultar...Não é um partido de poder, o BE? O BE é um partido que disputa o poder. Mas é precisamente porque somos responsáveis que nós não podemos aceitar uma coligação com o PS. Queremos derrotar a política que o PS tem vindo a impor. E isso não se faz se nos coligarmos com ela.

P - E não podem provocar essa derrota fazendo como fazem em Lisboa, obrigando o PS a tomar as medidas que o BE defende?

R - Aí é que está toda a diferença. Lisboa é um caso de política municipal, que trata das regras urbanísticas, que trata da solução para a crise financeira da câmara, que trata do combate à corrupção. Uma câmara municipal não trata da política do emprego, da política da qualificação, das reformas, das grandes opções orçamentais. E nessas é onde se consolida toda a nossa divergência com o PS. Eu quero dizê-lo porque acho que há um debate muito importante dentro do PS que atravessa toda a política nacional. Como viu, houve vozes no PS, como a do Manuel Alegre, que criticou o curso que seguia a destruição do Serviço Nacional de Saúde [SNS].

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